domingo, 22 de janeiro de 2012

“Tendência para seguir o mau caminho..."

  Vou ser sincero, nunca gostei de matemática. Na escola, eu sempre preferi e ainda prefiro as chamadas “matérias humanas”: português, história, geografia, filosofia, sociologia etc, adoro estas. Na verdade, não é que eu odeie matemática, digamos só que ela está demasiada de problemas, e eu realmente não tenho vocação para psiquiatra. Mas já me acostumei com ela, a matemática é algo fundamental, porque afinal de contas é como todos dizem: matemática é igual Igreja Evangélica, “está presente em todo lugar”.
Já faz algum tempo que as minhas aulas começaram, hoje faz cinco dias, para ser mais exato. No segundo dia de aula ocorreu um fato que me deixou bastante indignado, vou explicar: tudo aconteceu quando a minha turma estava tendo a primeira aula (já que estamos no 3° ano) de “Matemática para vestibular”, que como eu já havia dito no princípio, é uma matéria que me “fascina”. O professor, responsável por aplicar a matéria, ainda desconhecido por mim, estava fazendo um enorme monólogo a respeito “de fazer o curso no qual você tenha vocação”, não só eu, como também a sala toda estávamos completamente absortos naquilo tudo que ele dizia. Quando surgia alguma oportunidade, eu fazia algum comentário, às vezes bem formal e às vezes bem descontraído (como eu faço comumente).  Em um determinado momento, o professor, querendo nós alertar sobre alguns dos perigos da vida, deu início à história de um cara que teve um telefone celular roubado por um jovem de apenas doze anos, que depois foi pego no flagra enquanto tentava vender o aparelho no shopping da cidade, a polícia levou o pequeno infrator e devolveu o celular para o dono. Certo tempo depois que o professor terminou o seu relato, a coordenadora da escola chegou na sala perguntando se alguém da turma havia visto um celular, disse a cor e a marca, mas eu não me lembro, acho que é porque não prestei muita atenção ou porque a minha família tem um histórico de portadores de mal de Alzheimer, e talvez seja algo hereditário.  Mas continuando, a coordenadora perguntou se alguém havia visto ou sabia alguma coisa a respeito do celular de uma aluna que obviamente tinha perdido o aparelho. Todos disseram não ter visto e nem saber nada a respeito. A arcaica coordenadora já estava indo embora, quando eu resolvi falar:
      -Talvez ele esteja sendo vendido lá no shopping...
Escutei algumas risadas, e tenho certeza que entre elas estava também a do professor. A coordenadora ficou sem entender e me indagou se eu sabia de algo, respondi que não, então ela se foi para aquele lugar sinistro e sombrio da escola chamado de “coordenação”. Logo que ela saiu, o professor contador de causos olhou fixamente para a minha direção, a princípio eu comecei a me questionar sobre a sua sexualidade, mas então ele proferiu:
      -Já faz um tempo que eu estava te observando... Você é um rapaz inteligente...
      -Opa! Se o senhor está dizendo... (me manifestei)
      -Não sou eu, você sabe que é... Por isso, cuidado!
Hã?! Na hora eu fiquei meio atônito. Como assim? Por que eu tenho que ter cuidado? Aquilo teria sido um aviso ou uma ameaça? Será que o truculento professor me obrigaria a fazer uma coisa bem terrível? Uma prova com cinqüenta questões de álgebra e cinqüenta questões de escalonamentos de sistema, por exemplo? Antes que eu pudesse replicar, ele prosseguiu:
          -Estava te analisando, e percebi que você tem uma tendência para seguir o mau caminho. –disse ele como um religioso fanático que pragueja contra um cético.
        A sala inteira se divertiu com aquilo, até eu me diverti, era bem notável o escárnio presente no rosto de alguns dos meus caros colegas. Acho que eles pensaram: “Oba! Mais um que vai com a gente”.
       Numa pequena fração de tempo, refleti sobre o que ele queria dizer com “mau caminho”, será que estava dizendo que no futuro eu me lançaria na carreira política, ou que eu fosse voltar a frequentar a igreja, ou então que eu entraria para o Big Brother? Foi aí que eu o interroguei:
      -O senhor é professor ou vidente?
      -Sou formado em psicologia, consigo analisar em pouco tempo uma pessoa – disse o aspirante a vidente- você deveria respeitar a coordenadora...
       -Mas eu não a desrespeitei...
       -Desrespeitou sim, você não pode fazer isso, ela é uma autoridade aqui, e tem idade pra ser sua mã... Sua avó...
        -Bisavó! Tataravó!- exclamei, agora sim ultrajando a velhinha da coordenação- eu só fiz uma piada, que em momento algum desrespeitou a coordenadora!
         -Você a desrespeitou, sua sorte foi que ela não entendeu. Não faça mais isso, você não tem esse direito! 
         Eu quis tentar argumentar, porém, ele me cortou e deu prosseguimento ao sermão repressor, que agora não era só destinado a mim, mas a sala toda. Até hoje eu não me conformei com aquilo, não por causa da “tendência para seguir o mau caminho”, eu estudo numa escola pública, o mau caminho é inerente, e dependendo do ponto de vista do professor sobre o que é mau caminho, talvez eu vá mesmo, mas eu sou bem seguro a respeito do meu caráter. Se uma piada na escola leva para o mau caminho, então o Fernadinho Beira-Mar quando era jovem devia fazer stand-up comedy para os colegas. O que me revoltou foi a forma com que ele recriminou e descontextualizou o que eu falei, pode ter sido um comentário sarcástico, mas a partir do momento em que eu vivo num país que se diz democrático, numa escola que ensina a democracia, não vejo nada de errado  em fazer um comentário sarcástico e descontraído sobre algum assunto, mesmo que seja com uma “autoridade da escola”, pelo contrário, acredito assiduamente que é exatamente isso que devemos fazer: comentar, questionar, expressar, ironizar, criticar; mas em hipótese alguma se calar.  O próprio diretor da escola brinca com o pessoal, faz piadinhas questionando o padrão de beleza, a inteligência e a sexualidade dos alunos, e sinceramente, eu acho isso incrível, para usar uma linguagem mais coloquial: acho foda! Porque isso faz com que a barreira da falta de intimidade seja quebrada, isso aproxima o gestor da instituição com o seu subordinado, isso gera uma amizade, isso quebra esse moralismo hipócrita inerente a nossa sociedade. E os alunos não deixam barato, tem sempre algum brincando com o fato do diretor estar visivelmente acima do peso. E ele está mesmo. Tanto que quando foi assumir a cadeira de diretor da escola, tiveram que trocar a antiga de madeira por uma nova de chumbo.



A atitude repressora do meu professor com poderes oraculares, não é o tipo de atitude que esse nosso mundinho podre precisa. O despotismo e o autoritarismo estão presentes em nossas vidas mais do que podemos perceber, não estou querendo dar a entender que meu professor é um tirano, eu até achei ele um cara legal, só que o nosso pensamento é como o nosso intestino: não funciona bem quando está preso. O pensamento tem que ser aquilo que boa parte dos corintianos não é: livre!  Ultimamente uma sombra de censura vem ameaçando a internet, e ninguém pode se submeter a ela, é fundamental que o mundo proteste, assim como está sendo feito. Não podemos nos conformar com algo só porque fomos acostumados com aquilo, não devemos acreditar em algo só porque foi assim que nos ensinaram, é necessário que busquemos o conhecimento para que tiremos nossas próprias conclusões. Não podemos deixar de dizer alguma coisa só porque ela incomoda os moralistas e fundamentalistas. É como minha amiga Thaís diz: "O governo, e a maioria do país, ensinam que temos uma reputação pra cuidar, uma imagem que não pode ser destruída. Eles nos limitam, destroem o verdadeiro conceito de liberdade, são arrogantes, hipócritas e preconceituosos". 
 Eu queria ter dito ao meu distinto professor:
 -Eu também estava te analisando, e percebi que você tem uma leve tendência a falar merda... Cuidado!
Ainda tenho algumas dúvidas a respeito do vestibular, mas a única coisa que eu tenho certeza é que até ele chegar, enquanto eu estiver na escola, vou continuar falando e “desrespeitando” a autoridade de quem estiver lá. Uma vida de submissão é uma grandessíssima vida de bosta!
FALE! CONTESTE! EXPRESSE-SE! 


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