domingo, 4 de março de 2012

O roncador do cinema


  Muitas vezes o nosso cotidiano se torna algo mais estressante que convites de aplicativos no Facebook. Por isso, quando temos um tempo livre, encontramos as mais variadas soluções para esquecer um pouco de todo aquele stress rotineiro, soluções estas que vão desde jogos de tabuleiro até idas ao cinema. Bem, esse é o meu alvo, o cinema. Um lugar um tanto intrigante, pois nele você pode presenciar do mais corriqueiro até o mais inusitado dos fatos. Recentemente eu tive chance de presenciar aquele que foi pra mim o maior dos maiores fatos inusitados numa sala de cinema, diria até que foi o André Marques dos fatos inusitados.
 Eu havia ido ao cinema com uma amiga assistir o filme “Millenium (Os homens que não amavam as mulheres)” antes que você fique se questionando, não! Não é um filme que trata de homossexualidade, e também não é um filme escrito pelo Netinho de Paula. O filme é mediano, contém mistério e muita pornografia, é uma mistura de Sherlock Holmes com Brasileirinhas. Mas tudo bem, vamos deixar de lado as distrações e no apegar aos detalhes mais importantes. A sala estava um tanto vazia, não devia ter mais que trinta pessoas, eu e minha amiga nos sentamos nas poltronas que ficavam no meio de uma fileira localizada no centro da sala de cinema. Na ponta esquerda da mesma fileira se sentou um rapaz de estatura média, camisa esportiva, bermuda e gordo... Tá bom, se você é do tipo politicamente correto e achou ruim, eu uso um eufemismo: (...) Se sentou um “rapaz fofo”, muito fofo. O filme mal havia começado e ele já estava devorando o saco de pipocas e algumas guloseimas, além de estar bebendo o refrigerante como um camelo bebe água no deserto do Saara. Em uma fração de tempo depois, o filme começou, foi então que minha amiga me cutucou e indicou com a cabeça o “rapaz fofinho”, ele estava dormindo. Quietinho. Com um ressonar quase inaudível. Numa boa. Sem incomodar ninguém. Que graçinha! É, mas isso era apenas uma prévia do caos que estava por vir. Foi então que passado alguns minutos, eu ouvi pela primeira vez aquele estrondo. Olha, tenho que dizer, já vi muita gente roncando, muita gente mesmo, já tive até a infelicidade de dormir no mesmo quarto de pessoas que roncavam, rangiam os dentes e ainda tinham flatulência( acúmulo de gazes), mas nenhuma pessoa que conheci consegue vencer o barulho que o cara era capaz de provocar, aquele era o pior caso de apneia do sono que eu já havia visto . Pra você ter uma idéia, o ronco era tão alto que por um instante, antes de perceber da onde vinha o barulho, fiquei em dúvida se o filme que eu estava assistindo era mesmo “Millenium (Os homens que não amavam as mulheres)”  ou era “O massacre da serra elétrica”. No começo, não só eu e minha amiga, como também todos da sala ( sim, porque a sala toda era capaz de ouvir) tentamos ignorar. Só que para mim era mais difícil relevar a situação, porque eu era a pessoa mais próxima do cara. Então achei uma bolinha de papel e estava pronto para taca-lá no infeliz, mas minha amiga me interceptou:
      -Para, Matheus. Não faz isso!-algum tempo depois ela se arrependeria de ter me impedido. Todo mundo continuava tentando ignorá-lo.  Ah! Pode acreditar, nós tentamos, e como nós tentamos, mas chega uma hora que é impossível ignorar, não da nem para gente se concentrar no filme, o problema atinge o seu auge, ninguém agüenta  mais. Coincidentemente, um primo meu também estava na sala com a namorada, assistindo, ou melhor tentando assistir o maldito filme. Ele foi o primeiro a tomar uma atitude, atitude essa que foi no melhor estilo “bagunça de escola”, o jovem sangue do meu sangue, pegou o canudo do refrigerante que estava tomando e introduziu nele pequenas bolinhas feitas do papel da embalagem de pipoca, apontou na direção do “fofo” e soprou, soprou várias, tive a impressão de ver algumas até resvalando no corpo redondo do rapaz, mas nenhuma surtiu efeito. Aí eu não agüentei mais e fui lá tentar acordá-lo, e dessa vez nem minha amiga tentou me impedir. Sentei na poltrona ao lado da dele, e pensei num jeito de despertá-lo, primeiro eu chamei: “Moço! Moço! Acorda, moço!” Nada. Continuava dormindo e roncando numa altura desumana. Parecendo uma britadeira. Então continuei chamando, mas comecei também a estalar os dedos. Nada. Parei de estalar os dedos e apelei para batida de palmas. Mais uma vez nada. Peguei então o saco de pipoca do cara e comecei a sacudir os restos de milho que haviam dentro, para fazer barulho, aproximei o saco o máximo possível do ouvido dele. Novamente nada. Enquanto todo mundo da sala dava risada da situação, eu ficava abismado com aquele ser que não acordava. Teve até um cara de uma fileira lá no fundo que foi até atrás do “fofo” e simulou um ataque de tosses bem alto, só que ainda sim não conseguiu acordá-lo também. Me lembrei da história da Branca de Neve, e cheguei a pensar que talvez ele tivesse comido uma maçã envenenada, mas então lembrei de como a Branca de Neve é acordada, e refutei a minha teoria, dar-lhe um beijo realmente não estava nos meus planos. Desisti. Voltei para o meu lugar dando risada, junto com todo mundo. Meu primo foi atrás do lanterninha, pra ver se ele dava um jeito naquele gordo desgraçado (isso mesmo, esqueça o eufemismo)! Se um elefante incomoda muita gente, um elefante que vai para o cinema, come em demasia, dorme no começo do filme e ronca numa altura que causa um impacto que só poderia ser medido em graus na escala Richter, incomoda muito, muito, muito mais. Minha amiga me disse uma coisa que me assustou:
   -E se ninguém conseguir acordar esse cara... Nossa! Ele vai ter que ficar aí... Ha,ha,ha,ha.
  Eu não tinha pensado nisso ainda, mas era verdade. E se ele não acordasse? Como nós iríamos tirá-lo dá-li, eram duzentos quilos (claro que é uma estimativa, eu não tinha uma balança na hora pra pesá-lo) só seria possível carregá-lo se a sala inteira ajudasse. 
  O lanterninha chegou, foi até o lugar do gordo miserável, e tudo que fez foi olhar para as pessoas da sala e se constranger com a situação. Meu primo, de longe, o incitou a acordá-lo. Foi então que o lanterninha fez uma coisa criativa e bem idiota. Ele ficou em pé ao lado do roncador, e fingiu que estava conversando no seu rádio de trabalho:
   -Então tá!!! Então tá!!! Tá certo!!! – esgoelou o XV de Piracicaba, digo, o lanterninha. –Falou alguma coisa? Algum problema?- respondeu alguém do outro lado da linha- Não, só tava fazendo um teste! - respondeu o lanterninha rindo, depois de ver a cagada que havia feito.
    Só que como eu já suspeitava, mesmo com a conversa esgoelada do funcionário do cinema, o homem continuava dormindo. Mesmo se fossem estourados dezenas de fogos de artifício do seu lado ele não acordaria. Acho que o pior barulho de todos não era capaz de acordá-lo, até mesmo se fosse colocado dormindo no meio de um culto evangélico, não despertaria, tenho certeza.  O lanterninha também desistiu por um tempo, e se deslocou pra algum outro lugar, o qual eu não me lembro. Como acordá-lo? Será que alguém conseguiria? Foi então que uma menina que não costuma ter boas idéias teve uma, seu nome, Thaís Rezende, a minha amiga.
     -Matheus, vai lá e meche na barriga dele... (disse Thaís, que parecia já ter uma certa experiência em acordar gordos roncadores.).

                               
                            


Lá fui eu, resoluto, acordar o gordo adormecido, que continuava com aquele ronco estrondoso e irritante. Sentei novamente ao seu lado, mas agora eu tinha uma nova solução. Cutuquei com a minha mão o lugar que descobri ser a kriptonita dele, sua barriga, e disse: “Acorda moço! Acorda!”. O gordo maldito acordou. Enquanto, mais uma vez, a sala inteira caía na risada, eu fiquei sem saber o que fazer. Tinha pensado tanto num jeito de acordá-lo que esqueci completamente de planejar o que fazer quando isso acontecesse. Comecei a rir também, e a única que consegui dizer em meio as minhas gargalhadas foi:
     -Acorda... O senhor... O senhor... O senhor pegou no sono!
  Ele me olhou com uma cara que expressava claramente a frase: “Ô veado! Deixa eu dormir em paz!” Ele não disse isso, mas deve ter pensado algo parecido, porque logo depois voltou a dormir. Desisti definitivamente e voltei pro meu lugar, foi como um replay, mais uma vez eu voltava dando risada junto com todo mundo. Ele voltou a roncar, e dessa vez o ronco era tão alto que fez até alguém da sala gritar desesperado:
   -Jesuuuus!!!
 Não, acho que aquele não era Jesus, pelo que ouvi dizer o Messias dos cristãos não é obeso.
 O lanterninha voltou, e foi bem sucinto dessa vez. Chegou no roncador, cutucou, cutucou, até ele finalmente acordar de vez e disse:
   -Moço, o senhor está roncando e incomodando as outras pessoas que estão tentando ver o filme. O senhor vai embora ou quer ficar acordado vendo o filme? -eu estava sentando a uma distância considerável, mas consegui escutar isso. Já a resposta eu não ouvi.
   O lanterninha foi embora e o homem continuou na sala, de olhos abertos, por mais uns cinco minutos, depois foi embora meio cabisbaixo. A princípio pensei que ele tivesse ido por vergonha ou por estar com muito sono. Mas depois eu entendi o que pode ter acontecido, quando ele acordou pôde perceber que toda comida havia acabado e então foi desesperado atrás de mais. Só que já era tarde e provavelmente todas as lanchonetes e redes de fast-food do shopping (lugar onde fica o cinema) já deviam ter fechado, então ele foi pra casa. Essa é a minha tese.
   Depois que ele foi embora, eu, minha amiga,meu primo, a namorada dele e todos os outros que estavam na sala continuamos vendo o resto do filme em paz. Nunca vou esquecer daquele dia, daquela situação inusitada, que relembrando agora foi até bem bacana de viver, na hora eu não gostei muito, mas depois me dei conta que são situações como essas que ofuscam a banalidade inerente do dia-a-dia, deixando ele mais divertido e interessante. Essa história maluca daria até um filme, já pensou?

       
        UMA SALA DE CINEMA...
                UM RAPAZ OBESO ADORMECIDO...
  
                       UM SISTEMA RESPIRATÓRIO PROBLEMÁTICO...  
   
E VÁRIAS PESSOAS FURIOSAS...

VEM AÍ...

O RONCADOR DO CINEMA
 EM BREVE, NO PRÓPRIO CINEMA!
QUANDO VOCÊ MENOS ESPERAR, ELE VAI ESTAR ROCANDO NA SUA FILEIRA!